Imagem conceitual da palavra Burnout, soletrada, em material de madeira em fundo branco, representando estresse, ansiedade e depressão.

Ansiedade e Psicanálise: o que Freud e Lacan ainda têm a dizer

Introdução: ansiedade no mundo contemporâneo 

Uma mulher mostrando-se desesperada com seu cabelo sobre a mesa, indicando possível estresse, exaustão e ansiedade.
A ansiedade, muitas vezes invisível, se manifesta em gestos de cansaço e sobrecarga.

Vivemos uma época em que a ansiedade parece ter se tornado quase onipresente. Relatórios recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam o Brasil como um dos países com maiores índices de transtornos de ansiedade no mundo. Termos como “crise de ansiedade”, “transtorno do pânico” ou “síndrome de burnout” circulam no vocabulário cotidiano, muitas vezes confundidos, medicalizados ou rapidamente etiquetados como diagnósticos psiquiátricos.

Mas afinal, o que a psicanálise ainda pode dizer sobre a ansiedade? Convém esclarecer: enquanto a linguagem médica e popular utiliza o termo “ansiedade”, Freud e Lacan falam de Angst, termo que em português é traduzido mais precisamente como angústia. Assim, ao falarmos de ansiedade neste artigo, acompanhamos a forma corrente de busca e uso, mas sempre em articulação com o conceito técnico de angústia.

Freud: da neurose de angústia à angústia-sinal

Freud foi pioneiro ao articular o conceito de angústia dentro de uma teoria do inconsciente. Em A neurose de angústia (1895), ele descreve pacientes que apresentavam sintomas físicos, palpitações, crises respiratórias, tonturas, sem causa orgânica detectável. Freud observou que, diferentemente da histeria, esses sintomas não estavam ligados a representações inconscientes, mas a um excesso de excitação não ligado psiquicamente.

Mais tarde, em Inibição, sintoma e angústia (1926), Freud reformula sua concepção. Se antes via a ansiedade como descarga da libido acumulada, agora a entende como um sinal do Eu diante de uma situação de perigo. Ele escreve:

“A angústia é o sinal do perigo que anuncia uma situação de desamparo” (FREUD, 1926/1996, p. 166).

A angústia, portanto, não é apenas algo a ser eliminado, mas uma função psíquica de alerta. Ela anuncia ao sujeito a iminência de uma perda, uma ameaça, uma castração simbólica. Freud ainda mostra que ela é estruturante: sem esse afeto-sinal, o Eu não teria como se defender diante do excesso de excitação interna ou das pressões externas.

Lacan: a angústia como afeto que não engana

Lacan retoma o tema em seu Seminário 10: A Angústia (1962-63). Para ele, a angústia ocupa um lugar distinto dos demais afetos: é o único que não engana. Enquanto a tristeza, a alegria ou a raiva podem ser mascaradas, deslocadas ou transformadas, a angústia surge como presença incontornável.

No entanto, Lacan faz uma torção importante: a angústia não é sem objeto. Diferente da ansiedade difusa descrita pela psiquiatria, a angústia, na psicanálise, se relaciona ao encontro com algo muito preciso, o objeto a, aquilo que causa o desejo. Em seus desenvolvimentos, Lacan mostra que a angústia aparece justamente quando o sujeito se vê confrontado com o desejo do Outro, um ponto em que a segurança vacila e o chão subjetivo parece faltar.

Assim, quando falamos em crises de ansiedade (taquicardia, falta de ar, sensação de morte iminente) psicanálise nos convida a ouvir o que esse afeto revela do laço do sujeito com o desejo e com o Outro, em vez de reduzi-lo a um mau funcionamento biológico.

Ansiedade e mal-estar contemporâneo

Se Freud falava em situações de perigo, e Lacan em relação com o desejo do Outro, como podemos pensar a ansiedade na contemporaneidade?

Vivemos na chamada “sociedade da performance”, marcada por aceleração, excesso de estímulos e exigência de produtividade. Byung-Chul Han (2015) descreve esse tempo como “a sociedade do cansaço”, em que o sujeito se transforma em empreendedor de si mesmo, sempre insuficiente diante do ideal de sucesso.

Nesse cenário, a ansiedade aparece como resposta ao imperativo de não falhar: trabalhar mais, estudar mais, estar sempre disponível, render ao máximo. Não se trata apenas de um “mau funcionamento químico”, mas de uma experiência de mal-estar vinculada à cultura e ao discurso dominante.

Na clínica, a ansiedade se apresenta de múltiplas formas: insônia, crises de pânico, sensação de vazio, dificuldades de concentração, compulsões alimentares. Em alguns casos, ela se articula à neurose obsessiva (como tentativa de controlar tudo, prever, antecipar), em outros, à histeria (como forma de mostrar a falta e interrogar o desejo do Outro).

O manejo clínico na psicanálise

Diante desse cenário, qual seria a posição da psicanálise?

A psicanálise se distingue das terapias rápidas ou da mera medicalização porque não visa eliminar o sintoma a qualquer custo. O manejo clínico aposta na escuta do sujeito e na possibilidade de interpretação. A angústia não é tratada como algo externo, mas como índice de uma verdade inconsciente.

Isso significa que, em análise, a ansiedade não é silenciada, mas investigada: o que ela diz de você? De que perigo, de que desejo, de que encontro ela é sinal?.

Freud já indicava que a angústia é um alerta. Lacan mostra que ela é um afeto que não engana. Para o analista, portanto, ela funciona como uma bússola clínica, apontando para um ponto de verdade do sujeito.

Além disso, o enquadre analítico (tempo da sessão, transferência, pagamento) também tem efeitos no modo como o sujeito se relaciona com sua ansiedade. O sintoma, uma vez interpretado, pode perder a função de repetição e abrir espaço para novas formas de laço social e de desejo.

Considerações finais

A ansiedade é um dos grandes nomes do mal-estar contemporâneo, mas não é apenas um fenômeno da atualidade. Freud e Lacan nos mostram que ela acompanha a condição humana, por estar ligada à experiência de desamparo, à castração e ao desejo do Outro.

Ao invés de buscar eliminar a ansiedade como se fosse um intruso, a psicanálise propõe escutá-la. Ela não é um erro do organismo, mas um sinal subjetivo. Como escreve Freud, trata-se de um “sinal de perigo”. E como lembra Lacan, é o afeto que não engana.

A pergunta que fica, portanto, não é como calar a ansiedade, mas como escutar o que ela diz de nós.

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Referências

DUNKER, C. I. L. (2015). Mal-estar, sofrimento e sintoma. São Paulo: Boitempo.

FREUD, S. (1895). A neurose de angústia. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. III. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. (1926). Inibição, sintoma e angústia. ESB, v. XX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

HAN, B. C. (2015). Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes.

KEHL, M. R. (2009). O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo.

LACAN, J. (1962-63). O Seminário, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

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